Plastic Beach — Crítica
Nos preparando para uma odisseia em meio à vastidão do oceano — é assim que nossa jornada por Plastic Beach começa. Já na primeira música, conduzida pela Sinfonia ViVa, o ouvinte é convidado a embarcar no universo criativo da banda britânica Gorillaz, identificado pelos sons de ondas se cruzando e pelos gritos estridentes das gaivotas, elementos esses que podem ser associados a ambientes marítimos. Na faixa seguinte, nosso condutor (ninguém mais ninguém menos que Snoop Dogg) nos dá boas-vindas ao nosso destino: uma ilha formada por entulhos no meio do Oceano Pacífico.

Para entender mais sobre o conceito de Plastic Beach, é preciso sair do plano virtual e mergulhar na ideia central que guia o álbum: como as falhas humanas são responsáveis pelo estado de decadência do planeta. O tema veio à mente de Damon Albarn, co-criador e vocalista da banda, em um passeio a uma praia repleta de lixos plásticos próxima a sua casa. O resultado não teve como ser outro: criou-se um universo cinematográfico que aborda o impacto humano no meio ambiente através da jornada de 2D, Noodle, Murdoc e Noodle, membros “virtuais” idealizados pelo quadrinista por trás dos Gorillaz, Jamie Hewlett.

Olho: “Plastic Beach não é um álbum que prega a revolução, nem um que nos incita a cair na tristeza sobre o quão devastador o mundo se tornou”

Após a introdução ao mundo de Plastic Beach, somos apresentados a uma visão geral do que esse lugar representa na música White Flag. Seu primeiro minuto é dedicado a uma introdução cativante tocada pela Orquestra Nacional Síria, seguida pelo rap turbulento de Bashy e Kano sobre a busca de um refúgio ideal e, em suas palavras, sem estresse e coisas superficiais. Em contraste, as músicas seguintes fazem jus à diferentes críticas: poluição e toxicidade, sentimentos de falta de realização e falsidade e até mesmo a cultura de comidas ultra processadas.

Mesmo não sendo o álbum mais aclamado da banda, Plastic Beach se destaca por trazer significados subjacentes escondidos por trás de cada faixa individual, além de abordar temas controversos e apocalípticos ao mesmo tempo em que apresenta melodias contrastantes e repletas de energia. Além disso, o álbum se distingue pela colaboração de mais de 15 artistas, cada um trazendo sua própria identidade para o projeto. Alguns deles chegam a ilustrar os clipes com suas versões digitais, contribuindo também para a estética visual do trabalho. Essa diversidade de vozes, estilos e influências ajuda a construir uma sonoridade única e inovadora, que mistura elementos de música eletrônica, hip-hop, rock e pop de maneira coesa e experimental. 

A segunda metade do álbum conta com músicas de sucesso como Plastic Beach, faixa que dá nome ao álbum, e On Melancholy Hill, faixa que representa o verdadeiro pico de sucesso do álbum. Essas músicas trazem um timbre mais introspectivo ao álbum, trazendo um contraste às faixas mais agitadas e experimentais da primeira parte. Em Empire Ants, por exemplo, a combinação de batidas eletrônicas e vocais suaves cria uma atmosfera onírica, a vocalista da banda sueca Little Dragon sendo a primeira e única voz feminina a enriquecer o álbum.

Além disso, a faixa Broken reflete um tom mais sombrio e introspectivo do álbum, onde a letra e a melodia se entrelaçam para transmitir sentimentos de desolação e desespero. Essa parte mais contemplativa do disco serve como um contraponto perfeito à energia vibrante e à crítica social presentes nas faixas anteriores, conferindo a Plastic Beach uma complexidade multifacetada. À medida que o álbum se aproxima do final, a incerteza se torna um tema recorrente nas letras, mas é na tonalidade irônica de Pirate Jet que a necessidade urgente de mudança se torna ainda mais evidente.

Plastic Beach não é um álbum que prega a revolução, nem um que nos incita a cair na tristeza sobre o quão devastador o mundo se tornou. Ele nos desafia a olhar mais atentamente para o que está ao nosso redor, frequentemente com uma dose de sarcasmo e ironia. Trata-se de uma obra que, nas palavras de Albarn, ressalta a importância de continuar lembrando as pessoas da necessidade de mudar nossos hábitos.


FAIXA A FAIXA:

“Orchestral Intro” com Sinfonia ViVA: 
Música instrumental que dá início à nossa jornada pela Plastic Beach. Sua sonoridade remete a um tema épico, ao mesmo tempo que traz elementos costeiros. 

“Welcome to the World of Plastic Beach” com Snoop Dogg e Hypnotic Brass Ensemble: 
Snoop Dogg nos conduz até Plastic Beach e traz na segunda faixa do álbum um convite à revolução. Os vocais de Albarn ao fundo e batidas psicodélicas servem como introdução para faixas seguintes.

“White Flag” com com Kano, Bashy e a Orquestra Nacional Libanesa para Música Árabe Oriental:
Os rappers Kano e Bashy fazem um apelo à paz, ambos se complementando de maneira brilhante. Já a orquestra Nacional Libanesa, que abre e fecha a música, nos remete ao aspecto até mesmo heróico do álbum. 

 “Rhinestone Eyes”:
O ponto mais alto do álbum, simbolizando também uma virada de atmosfera do álbum para algo mais sombrio. É uma música com um instrumental único e metáforas que descrevem coisas “falsas” e permeia até mesmo um estilo Cyberpunk.

“Stylo” (com Bobby Womack e Mos Def):
A mensagem do álbum continua, dessa vez por cima de uma batida synth dos anos 80. A letra, diferente da melodia energética, serve como uma alegoria à maneira como as pessoas se relacionam com a aparência e o status, muitas vezes de forma vazia.

“Superfast Jellyfish” (com Gruff Rhys e De La Soul):
Outro ponto alto do álbum, Superfast Jellyfish reflete toda a originalidade dos Gorillaz. A crítica, não tão sutil, é para a indústria das comidas hiper processadas.

“Empire Ants” (com Little Dragon):
Abrindo a segunda parte do álbum, Empire Ants compara as ações da humanidade à marcha ordenada de um império de formigas. É uma música que parece que saiu de um mundo fantasioso e sobrenatural, mas mantém os pés no chão abordando as limitações que são impostas na sociedade.
“Glitter Freeze" (com Mark E. Smith):
Em código morse, a frase Plastic Beach abre a faixa mais experimental do álbum. A letra, mesmo sendo breve e fragmentada, sugere um cenário distópico e caótico. 
"Some Kind of Nature" (com Lou Reed):
Explorando a complexidade da natureza humana e a dualidade entre o natural e o artificial, a batida otimista de Some Kind of Nature vai contra a letra pessimista: é da natureza humana poluir e corromper.
“On Melancholy Hill”:
Como em grande parte do Plastic Beach, Albarn faz uma crítica à sociedade utilizando do paradoxo som animado e letras soturnas. É outro ponto alto do álbum, também sendo uma faixa marcante para a banda como um todo.

"Broken" 
É um ponto baixo do álbum, se assemelha às outras músicas mas com um instrumental não tão memorável. Ilustra alguém tentando lidar com o mundo em processo de modernização enquanto enfrenta uma crise existencial, e acaba fugindo um pouco da temática “ambientalista” do álbum.

"Sweepstakes" (com Mos Def e Hypnotic Brass Ensemble):
Ao contrário de Broken, o sintetizador e a batida estão sempre presentes e dão à Sweepstakes um ritmo turbulento e cativante. Embora não tão forte quanto músicas como Stylo ou Rhinestone Eyes, se destaca como uma boa música.
"Plastic Beach" (com Mick Jones e Paul Simonon):
Dando nome ao álbum, Plastic Beach é uma crítica clara à poluição. Ela te faz sentir como se estivesse em alguma praia tropical, mas quebra a quietude com frases repetitivas e robóticas. 
"To Binge" (com Little Dragon):
Podendo ser interpretada como uma metáfora para ciclos viciosos, To Binge é a segunda música em parceria com a banda sueca Little Dragon no álbum. Remete à temática marinha de Plastic Beach.
"Cloud of Unknowing" (com Bobby Womack e sinfonia ViVA):
Traz uma reflexão final sobre as críticas de Plastic Beach — esperança, incertezas e um sentimento de estar perdido no mundo se fazem presente na colaboração com Bobby Womack e sinfonia ViVA.
"Pirate Jet" :
Fechando o álbum, Pirate Jet apresenta uma visão distópica e crítica sobre o consumo desenfreado e a degradação ambiental. Possui uma boa dose de energia, e conclui o álbum de maneira marcante.
Roma — Crítica
Blockbusters hollywoodianos são conhecidos por cenas de lutas épicas, romances platônicos e enredos fantasiosos, imergindo os espectadores em uma realidade diferente da realidade tida como cotidiana. Em outras palavras, o cinema torna-se uma espécie de válvula de escape, um local onde o público se vê alheio aos problemas que os cercam rotineiramente. E é aí que se encontra o diferencial de Roma.

A humanidade – ou em certos casos a falta de – retratada pelo preto e branco de Alfonso Cuarón aborda de forma sutil problemas que variam desde hierarquia social até abandono, levando os espectadores em uma dramática jornada ao lado da personagem principal Cleo. Fruto da própria vivência do diretor, o filme é capaz de trazer metáforas sociais que retratam elementos da sociedade mexicana dos anos 70, mas que acabam se perpetuando ao redor do mundo até os dias de hoje.

A fotografia centralizada e monocromática da obra traz a sensação de submersão nas próprias memórias de Cuarón, que por sua vez serviram de enredo para a narrativa. A casa na qual Cleo trabalha como empregada é um retrato da típica família de classe média, cuja convivência harmoniosa é abalada pelo abandono do pai, Antonio. Paralelo as desavenças de Sofía e seus quatro filhos, a protagonista se apaixona, engravida e por fim também é denegada por seu parceiro, o que torna a dor do abandono um ponto em comum fundamental na histórias das duas mulheres. 

Em diversos momentos do filme é evidente que o sofrimento de Cleo é compartilhado por outros personagens, incluindo as próprias crianças, deixando claro que apesar de sua origem e condição social diferente, os laços afetivos são capazes de superar barreiras e ela torna-se uma peça primordial da família. A empregada é, de certa forma, um pilar quando o cenário desmorona. Apesar do egoísmo masculino e das dificuldades enfrentadas pelas protagonistas, a história carrega consigo uma mensagem de superação; de que nenhum contratempo é insuperável.

Yalitza Aparicio retrata Cleo de forma introspectiva e afável, em contraste com a angústia e conturbação de Sofía, personagem de Marina de Tavira. Os atores mirins trazem vida à obra, com cenas marcantes que evidenciam a importância da protagonista na narrativa, e consequentemente na própria vida do diretor. O filme não é apenas uma homenagem feita por Cuarón a pessoas e elementos marcantes que fizeram parte de sua história, é um exemplo de resiliência e de questões sociais atemporais que muitas vezes estão mascaradas na sociedade. 
Hermanoteu na Terra de Godah: Entre o Riso e o Preconceito — Crítica
Mesclando elementos bíblicos com um humor cínico e uma linguagem coloquial, Hermanoteu na Terra de Godah é uma odisseia humorística na qual acompanhamos um pastor atrapalhado em sua missão divina para salvar o povo da Terra de Godah. No palco repleto de areia, cercado por tecidos brancos, — e vale ressaltar, são um dos únicos elementos de cenário que sustentam a peça até seu fim — Hermanoteu atravessa lugares distintos e encontra personagens históricos exageradamente caricatos, que por sua vez interagem com o público e quebram constantemente a "quarta parede" com piadas que transitam entre o sacro e o profano. Lançada originalmente em 1999 e ainda em cartaz até os dias de hoje, a obra consolidou seu lugar na história do teatro de humor brasileiro e  influenciou diversas companhias e artistas ao longo dos anos. No entanto, ao revisitar o espetáculo hoje, é impossível ignorar que boa parte do riso provocado se sustenta em estereótipos. 
A peça foi criada pela Cia. de Comédia Os Melhores do Mundo, grupo fundado em Brasília e ativo desde 1995, conhecido por seu trabalho com humor, improviso e a inserção de cacos — falas improvisadas que acrescentam espontaneidade às cenas. Formada por Adriana Nunes, Adriano Siri, Jovane Nunes, Ricardo Pipo, Victor Leal e Welder Rodrigues, a companhia já produziu mais de 20 espetáculos autorais e manteve-se continuamente em cartaz, percorrendo diversas vezes o Brasil e também realizando apresentações internacionais, com destaque para quatro turnês em Portugal e três nos Estados Unidos. Em comemoração aos seus 20 anos, a peça Hermanoteu na Terra de Godah foi transmitida pelo canal Multishow e é a versão mais popular disponibilizada no Youtube, acumulando mais de 4 milhões de visualizações. Embora publicada em 2015, optei por assistir essa versão. 
A composição cênica é simples, não é necessário muita coisa além de sons de ventania e o uso de luzes de tons quentes para criar a atmosfera desértica na qual o protagonista se encontra. Já entendemos o tom da peça logo em seu início — um anjo mensageiro, com asas brancas e um acessório na cabeça simulando um cabelo loiro de base reta e comprimento médio, surge para ler uma carta enviada para Hermanoteu por Jeová. Ao final da mensagem, uma metalinguagem: “Sai o anjo!” o personagem lê e obedientemente sai de cena, ressaltando um dos maiores pontos positivos da peça: a liberdade de não se levar tanto a sério.
Após uma breve interação com sua irmã Micalateia e com o banqueiro ganancioso Tributus, Hermanoteu acidentalmente invoca o diabo, representado por um dos atores com um figurino escuro e encapuzado. Em um dos momentos de maior interação com o público, um som estrondoso o suficiente para assustar aqueles nas primeiras fileiras anuncia a chegada da figura espantosa, personagem que oferece pão e vinho para o protagonista e brinca com a expressão “pão que o diabo amassou”. Aqui, os atores se permitem rir das próprias piadas, reforçando um tom mais informal de estratégia performativa e  uma aproximação com os espectadores.
A jornada então se inicia. A voz de Deus, que na peça é encarregado de ditar o ritmo dramatúrgico e de narrar a jornada do protagonista, ecoa com gravidade e imponência. Em sua primeira parada, Roma, um soldado com vestes clássicas — túnica curta, sandálias e capacete dourado — anuncia que para seguir em frente, Hermanoteu deve confrontar Gladstone, o gladiador da glande grande, e a comicidade aqui se ancora no exagero e no ridículo, mas sem impedir que a cena seja divertida. Logo em seguida, o Rei César entra em cena com uma túnica branca propositalmente curta e um jeito pomposo de andar,  introduzido por um trompetista de vestido e peruca torta. Na peça, os figurinos são condizentes com o teor caricato da produção: perucas não são totalmente polidas, roupas simples e sem tantos detalhes e os acessórios acentuam a comédia visual. 
Os atores em cena se comunicam por expressões e gestos exagerados e arrancam risadas do público, a única palavra proferida depois de um tempo sendo “viado”, dita pelo anunciante sobre César. Antes do embate entre Hermanoteu e Gladstone e em meio à piadas fálicas, um homem de preto, com roupas que definitivamente não condizem com as da época, aparece para estabelecer as regras da luta: não existem regras, assim como a peça. O que se segue depois da batalha é uma sucessão de piadas sobre homossexualidade usadas como escárnio: a próxima cena envolve dois homens de toga como uma espécie de “prêmio”, fazendo poses extravagantes ao som de Four Seasons de Vivaldi, dançando Single Ladies e falando em inglês de forma caricata. O uso insistente da sexualidade como objeto de piada — principalmente com o personagem Rei César — demonstra uma abordagem ultrapassada até mesmo para 2015, época na qual o Brasil foi marcado por um clima de polarização social e ideológica e pelas discussões sobre direitos civis e sociais para pessoas LGBTQIAPN+.
O anjo retorna, quase como um respiro, e Hermanoteu segue sua jornada, agora ao Egito. Lá, reencontra o velho amigo Isaac, que, em seguida, conta histórias de personagens bíblicos como Moisés como se fosse uma fofoca. Cleópatra então entra em cena, com um dos figurinos mais elaborados da peça: detalhes azuis e dourados, maquiagem marcante e acessórios proeminentes. A sátira aqui questiona o papel feminino no poder e recorre a frases como “Mulher governando? Só se for o império do fogão!” para fazer comédia, evidenciando novamente um humor que reforça estereótipos de gênero.
Em Gião, o terceiro lugar por onde o Hermanoteu passa, o humor descamba até mesmo para o grotesco: um guarda faz uma referência transfóbica a um episódio de Ronaldo Fenômeno em 2008, zombando de pessoas trans. Em seguida, Hermanoteu encontra os Godos — bárbaros de visual viking, mas de comportamento gentil — uma paródia que subverte as expectativas históricas. Eles, que em muitas narrativas são tratados como invasores crueis e desordeiros, aqui são mostrados como mais amigáveis, mas brincam com temas mais sensíveis como gordofobia e assédio. O anjo volta para conduzir a peça após o pastor ter interações com as profetisas Caraguatatuba e Dercy, Hermanoteu quase chegando no fim de sua jornada, e uma sombra se forma no tecido branco do fundo: Jesus surge, de peruca longa e bagunçada, acompanhado por uma trilha sonora celestial. Há comentários sobre a mãe de Jesus e sobre figuras religiosas contemporâneas em tom debochado antes da iluminação cênica ajudar a nos situarmos: Hermanoteu finalmente encontra o povo de Godah — representado pela plateia, agora em evidência.
O encerramento acontece como um show musical: uma banda formada pelos personagens toca a música-tema da peça enquanto luzes coloridas, fumaça e som alto criam um clima de festa. A história se encerra de modo grandioso, mas, como espectadora, senti que ela também despertou um certo desconforto em mim: o riso que surge vem acompanhado de uma reflexão crítica sobre os limites éticos do humor e sobre a responsabilidade de artistas — sobretudo os que se mantém por tanto tempo em cena — de se atualizar e dialogar com as transformações sociais e culturais do público que os acompanha. Esse tipo de humor, que por muito tempo foi aceito sem questionamento, hoje levanta uma reflexão crítica fundamental sobre os limites éticos da comédia no Brasil, principalmente pelo fato de que a comédia enquanto gênero sempre teve a capacidade de desafiar normas sociais e políticas, mas também de perpetuar discursos discriminatórios, muitas vezes disfarçados de "piada". Assistir à peça em 2025 é, de certa forma, embarcar não só na viagem no tempo proposta pela trama, mas também voltar a um tempo em que esse tipo de humor era considerado "normal" e até mesmo celebrado.

O Iluminado — Resenha
Inspirado em sua própria luta contra o alcoolismo, Stephen King foi capaz de trazer às páginas de O Iluminado desfortúnios do cotidiano da forma assustadora que lhe rendeu o título de Rei do Terror. Lançado no ano de 1977, o livro que firmou a carreira do autor no gênero é capaz de imergir leitores em uma jornada de tensão e emoções que saltam das páginas.
Jack Torrance, um homem cujo histórico familiar o leva a recorrer ao álcool para amenizar seus problemas emocionais, aceita o emprego de zelador em um hotel de veraneio localizado nas regiões montanhosas do Colorado. As tempestades de neve que ocorrem no período de inverno acabam deixando o local isolado, tornando-o em um cenário perfeito para a realização de crimes, assassinatos e, consequentemente, para a presença de forças sobrenaturais. Ao lado de sua esposa Wendy e seu filho Danny, Torrance tem sua sanidade afetada pela distância com o mundo exterior, e a família acaba virando uma verdadeira prisioneira do Hotel Overlook. Como se a total solitude não fosse suficiente, o dom especial de Danny, que o permite ver aquilo que está no futuro e interagir com aqueles que ficaram no passado, entra em conflito com a atmosfera mal assombrada que cerca o hotel, e o garoto se torna familiar com os perigos do Overlook por meio de premonições assombrosas.
Diferente de um típico enredo de terror, a história do livro não gira em torno de criaturas fantasiosas e monstros, mas sim em torno dos demônios presentes dentro dos próprios personagens. O real drama na vida de Jack é o medo do fracasso e a luta constante contra seus vícios, que por sua vez desencadeiam no personagem um comportamento agressivo. Já a inquietação que persegue Wendy provém das frustrações do próprio marido e da sua submissão a um casamento conturbado, algo que fica evidente ao decorrer da narrativa, mas vem à tona com a aproximação ao clímax do livro.  A esposa de Jack se vê em total responsabilidade pelo pequeno Danny, que por sua vez teme a separação dos pais, levando seu subconsciente a lidar com a situação pela presença de um amigo imaginário.
Apesar dos poderes de Danny darem nome à obra, a verdadeira estrela do livro é o próprio Hotel. O Overlook em si é um personagem com vida própria e com um histórico de assassinatos e crimes grotescos, que torna seus residentes vulneráveis aos seus próprios conflitos internos. Ele é capaz de trazer à tona o lado mais sombrio de seus visitantes, e é isso que torna a narrativa tão instigante. O autor é capaz de nos imergir totalmente nos personagens, possibilitando não apenas saber o que certa pessoa está fazendo ou pensando, mas também suas indagações e sentimentos, fazendo com que o leitor sinta a tensão presente nos protagonistas em todos os momentos. Ou seja, sentimos que somos nós contra o Overlook.
O livro deixa implícito que as aparições e alucinações ocorrem individualmente, e que os eventos físicos na verdade são frutos de vozes e imagens presentes no subconsciente de Danny e Jack, provando mais uma vez que o terror presente na narração provém dos próprios personagens. Stephen se baseou em sua própria jornada para a criação de Torrance, e a clássica obra se tornou um reflexo dos momentos turbulentos vivenciados no período em que sua vida era tomada pelo vício. Além de ser uma referência para inúmeras obras literárias e cinematográficas, O Iluminado é uma leitura essencial por ser uma forma única de retrato da própria natureza humana. É uma obra atemporal que expõe o que realmente há de sombrio no homem, e é nisso em que o verdadeiro terror está presente.
Energia cativante do grupo NMIXX envolve público brasileiro — Resenha
Em sua primeira passagem pelo Brasil, o girlgroup deslumbra fãs com performance energética e uma imersão no universo de suas músicas
O fenômeno da Hallyu, que se refere à crescente popularidade da cultura pop coreana ao redor do mundo, tem ganhado cada vez mais força no Brasil. Depois de grandes nomes do K-pop passarem pelo Brasil, a vez agora foi do grupo NMIXX, que, sob a produção da GIG Music, trouxe sua energia única em sua primeira performance solo em terras brasileiras. O show teve início com um VCR introdutório, no qual as integrantes HAEWON, LILY, SULLYOON, BAE, JIWOO e KYUJIN se apresentaram com uma temática de laboratório de fancon, evento em que fãs de determinado artista se reúnem. O clima de mistério e criatividade foi estabelecido logo no começo, reforçando a proposta artística do grupo, que mistura elementos de fantasia e realidade em sua estética. O visual marcante, combinado com a energia das integrantes, preparou o terreno para o início do show, que se seguiu com a poderosa performance de "Run For Roses", a primeira música do setlist.
A canção, que começa sem instrumental, trouxe à tona a potência vocal do grupo, mostrando desde o início que o NMIXX esbanja talento e confiança. O VCR seguinte continuou a narrativa de magia e ciência, enquanto as integrantes interagiam com o público de forma espontânea, falando em português e compartilhando suas expectativas para a visita ao Brasil.
À medida que o show avançava, o NMIXX continuava a alternar entre músicas de alta energia e momentos mais intimistas, como a performance de "Love Me Like This", que teve um arranjo rock, e o cover de "KICK IT" do NCT 127, que trouxe um toque de hip-hop ao show. A versatilidade do grupo ficou evidente com cada mudança de gênero musical, mantendo a plateia sempre imersa.
Olho: “A noite terminou com uma promessa de retorno, um agradecimento sincero às pessoas que cantaram junto com elas do começo ao fim, e uma energia que permaneceria no ar muito depois do show.”
O grande destaque, no entanto, ficou por conta do bis, onde o grupo entregou uma performance emocionante de "HOME", com uma energia que parecia não ter fim. A atmosfera criada pelo público, com lightsticks acesos e gritos de apoio, fez com que as integrantes se sentissem em casa. A noite terminou com uma promessa de retorno, um agradecimento sincero às pessoas que cantaram junto com elas do começo ao fim, e uma energia que permaneceria no ar muito depois do show.
Em suma, a primeira passagem do NMIXX pelo Brasil foi um marco para os fãs de K-pop no país. O grupo não só entregou um show de alta qualidade, mas também criou uma experiência única de carinho e interatividade, reafirmando sua posição como uma das promessas do gênero.

Pontos Positivos
Desde o início, o grupo trouxe uma performance impecável, com músicas como O.O e Soñar (Breaker) que reforçaram o talento vocal e a presença de palco das integrantes. A diversidade sonora foi um dos maiores trunfos do show, mesclando gêneros como pop, rock, hip-hop e até covers de outros grupos de K-pop, como KICK IT do NCT 127 e Sherlock do SHINee. Esse ecletismo musical, aliado ao desempenho energético e sincronizado das meninas, fez com que cada momento do show fosse eletrizante.
Outro ponto alto foi a interação constante entre o grupo e o público. As meninas se mostraram genuinamente felizes por estarem no Brasil e aproveitaram cada oportunidade para interagir com os fãs, seja por meio de brincadeiras como o "Jogo do Reflexo", ou até mesmo cantando uma versão acapella de Dice – uma das músicas mais queridas pelos fãs. A sensação de pertencimento que o K-pop oferece aos seus seguidores ficou clara nesse show, em que a linguagem, embora uma barreira, não foi empecilho para as diversas interações.
Pontos Negativos
Dito isso, nem tudo foi perfeito. O show, embora tenha sido muito animado e bem executado, deixou de lado algumas faixas do último álbum Dice – um disco que, por sua vez, estava bastante aguardado pelos fãs. A ausência de algumas músicas populares e o foco maior em faixas conhecidas da discografia do grupo, embora seja comum em turnês, foi algo que deixou uma sensação de “falta” no final do evento. Outro ponto negativo: não há estação de metrô perto do local, sendo a mais próxima a 30 minutos de distância. O jeito foi pegar um uber, o que, apesar de ser uma opção confortável, pode ser um inconveniente para quem depende do transporte público. Isso acabou tornando o deslocamento um pouco mais demorado e dispendioso, especialmente considerando o trânsito que é comum na região. Para quem não tem acesso a transporte privado, esse pode ser um fator limitante, principalmente em um evento com grande público.

Para além do palco
Eu fui de Uber com minha amiga, e a viagem foi tranquila, com um pouco de trânsito, mas nada fora do normal. Nos arredores, não reparei muito na merch oficial, mas tinha várias coisas sendo vendidas, como camisetas, copos feios, lightsticks falsos e banners. Também estavam vendendo 1kg de alimento para quem tinha esquecido de levar para a meia solidária (o que me salvou!).
Cheguei faltando uma hora para o show e quando entrei, já não tinha fila. A organização foi boa, mas como cheguei em cima da hora, não posso falar com certeza. A plateia era bem equilibrada, com crianças pequenas até homens mais velhos, mas no geral era composta por adolescentes e jovens adultos. O show durou cerca de 2 horas e foi incrível, fui sem conhecer muito as músicas e comprei o ingresso dois dias antes, mas acabei me apaixonando pelas músicas e ouço a discografia delas até hoje.

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